sábado, 26 de setembro de 2009

Reflexões de um diário inexistente



Em meados da década de 80, descobri a Legião Urbana. Não, não era produtora musical, nem uma das tais "formadoras de opinião"; apenas uma adolescente vivendo coisas que ainda não podia explicar com minhas próprias palavras.

Então, contava com as de Renato Russo. Não era a única... quase toda festinha, roda de violão, "bailinho", e qualquer evento que reunisse dois ou mais adolescentes tinham esta mesma trilha sonora.

Mas se a presença do som era massificante, o conteúdo das letras apontava outros caminhos, chamando para a consciência, convidando à reflexão e principalmente criticando o eterno estado de coisas em um país que nunca acordou de seu sono "em berço esplêndido".

Anos passaram, Renato Russo foi embora, a Legião virou uma memória doce e amarga ao mesmo tempo.

Hoje, fico imaginando o que teria sido se minha geração tivesse levado aquilo tudo que Renato cantava a sério e realmente tivesse feito algo para tentar mudar alguma coisa.

Quem sabe não estaríamos mais vivendo desse jeito, ainda nas mãos da mesma elite com seus planos inconfessáveis de uma vida voltada totalmente ao benefício próprio.

Torço para que chegue o dia em que estas palavras de Renato Russo, de um disco lançado em 1993, se transformem apenas em uma imagem bem fotografada de um passado distante:

Perfeição

Vamos celebrar
A estupidez humana
A estupidez de todas as nações
O meu país e sua corja
De assassinos
Covardes, estupradores
E ladrões...

Vamos celebrar
A estupidez do povo
Nossa polícia e televisão
Vamos celebrar nosso governo
E nosso estado que não é nação...

Celebrar a juventude sem escolas
As crianças mortas
Celebrar nossa desunião...

Vamos celebrar Eros e Thanatos
Persephone e Hades
Vamos celebrar nossa tristeza
Vamos celebrar nossa vaidade...

Vamos comemorar como idiotas
A cada fevereiro e feriado
Todos os mortos nas estradas
Os mortos por falta
De hospitais...

Vamos celebrar nossa justiça
A ganância e a difamação
Vamos celebrar os preconceitos
O voto dos analfabetos
Comemorar a água podre
E todos os impostos
Queimadas, mentiras
E seqüestros...

Nosso castelo
De cartas marcadas
O trabalho escravo
Nosso pequeno universo
Toda a hipocrisia
E toda a afetação
Todo roubo e toda indiferença
Vamos celebrar epidemias
É a festa da torcida campeã...

Vamos celebrar a fome
Não ter a quem ouvir
Não se ter a quem amar
Vamos alimentar o que é maldade
Vamos machucar o coração...

Vamos celebrar nossa bandeira
Nosso passado
De absurdos gloriosos
Tudo que é gratuito e feio
Tudo o que é normal
Vamos cantar juntos
O hino nacional
A lágrima é verdadeira
Vamos celebrar nossa saudade
Comemorar a nossa solidão...

Vamos festejar a inveja
A intolerância
A incompreensão
Vamos festejar a violência
E esquecer a nossa gente
Que trabalhou honestamente
A vida inteira
E agora não tem mais
Direito a nada...

Vamos celebrar a aberração
De toda a nossa falta
De bom senso
Nosso descaso por educação
Vamos celebrar o horror
De tudo isto
Com festa, velório e caixão
Tá tudo morto e enterrado agora
Já que também podemos celebrar
A estupidez de quem cantou
Essa canção...

Venha!
Meu coração está com pressa
Quando a esperança está dispersa
Só a verdade me liberta
Chega de maldade e ilusão
Venha!
O amor tem sempre a porta aberta
E vem chegando a primavera
Nosso futuro recomeça
Venha!
Que o que vem é Perfeição!...

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4 comentários:

  1. É Drika, as coisas poderiam estar diferentes agora. Mas acho que a nossa geração não tinha a garra de outras sabe? Justamente por ter vindo de uma geração que mudou tantas coisas... ficamos na "baixa temporada"...
    Bjks
    Verô

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  2. Pois é, Marcia,
    E o pior é que parece que a próxima geração herdou nossa falta de garra....
    E o país continua sem saída... quem sabe daqui uns mil anos... kkkk
    bjos,

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  3. Ola garotas,

    Acho que vcs tem razão!!

    Nossos pais vieram de uma geração que lutou contra a ditadura( pelo menos os meus rsrs) vcs devem ser novinhas.

    Então, acostumamos a ouvir musicas que transcreviam o que sentiamos e com isso ficamos acomodados.

    Eu sou pai, e vejo que as proximas gerações precisam ser motivadas á mudar o Mundo de hoje.

    Preciso ter esta esperança, pois tenho uma filhota ai crescendo.

    bjos

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  4. O que eu percebi foi um falatório enorme na nossa geração e pouca mudança. Então queremos agora que a "gentileza" volte, mas foi enterrada no passado, um dos exemplos das perdas da sociedade... e por aí vai...

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