Em artigo publicado pela revista Entertainment Weekly, o consagrado escritor Stephen King se declara fã da série Harry Potter e analiza seu gran finale. Também fala da polêmica dos críticos, os chatos spoilers e da sobrevivência da literatura de JK Rowling. 
Agora que o barulho já terminou, a batalha foi  perdida e ganha, a Batalha de Hogwarts, bem  entendido, e todos os segredos já saíram do  Chapéu Seletor; aqueles que apostaram na morte  de Harry Potter perderam seu dinheiro duplamente: o garoto que sobreviveu, transformou-se exatamente em  um sobrevivente.
E se você acha que este é um  spoiler, a esta altura, bem você nunca foi um fã  de verdade do Potter para começar. O ultraje  com as críticas adiantadas (Mary Carole  McCauley  do Baltimore Sun, Michiko Kakutani do New York Times) já se desfez... embora  aquele gostinho amargo tenha permanecido para  muitos fãs. 
Para mim, ficou, embora não esteja relacionado com este conceito bobo de spoiler de  ultimamente, nem com a tal ética de respeito à  data de lançamento do livro. O voto de silêncio  que antecedeu o lançamento era no final das  contas, uma trama perpetrada pelas editoras  Bloomsbury e Scholastic, e não - até onde eu sei  - uma lei saída da Carta Magna  Britânica ou da Constituição americana. 
Nem mesmo o protesto inflamado de Jo Rowling  ("Estou pasma que alguns jornais americanos tenham decidido publicar... críticas ignorando  totalmente o desejo de literalmente milhões de  leitores, especialmente crianças...") me  convence. Estes livros deixaram de ser infantis lá  pelo meio da série, no Cálice de Fogo, Rowling já  estava escrevendo para todos, e tinha  consciência disso. 
E a prova definitiva do quanto eles eram  adultos aparece bem no final -  de uma forma esplêndida - em Deathly Hallows quando a  senhora Weasley percebe que a odiosa Belatrix  Lestrange está tentando acabar com Ginny  usando a Maldição da Morte, grita: "Minha filha,  não, sua puta!". E este é o "puta" mais chocante  da ficção recente, já que não existem palavrões  em nenhum livro do Potter, este atinge em cheio  e com uma força quase fatal. E está  perfeitamente no contexto como a resposta de um adulto que vê seu filho  em perigo. 
O problema com as críticas antecipadas - e nos  dias imediatamente posteriores ao lançamento -  foi o mesmo que persegue a obra de Rowling  desde o livro 4 (Cálice de Fogo), depois que a  série já tinha virado um fenômeno mundial. E  aconteceu porque os livros se cercaram de um  mistério no melhor estilo do Kremlin e todas as  críticas desde o ano 2000, tentaram ser fiéis a  este segredo. 
Os críticos sempre foram ótimos -  A senhorita Katukani não é exatamente uma "carrasca" - mas a popularidade dos livros acabou  arruinando até mesmo as melhores intenções de  qualquer crítico. 
Em sua pressa para encher  colunas e desta forma continuar fazendo parte da  "Igreja do Que Está Acontecendo Agora"; poucos  críticos do Potter disseram alguma coisa que  sequer mereça ser lembrado. A maioria deles  tentou encaixar o Harry, seus amigos e  aventuras em duas formas: sociológicamente ("Harry Potter: Uma Benção ou Doença Infantil?")  ou economicamente ("Harry Potter e a Câmara  de Descontos").
E eles analisam coisas como a  narrativa ou a linguagem, mas não podem fazer muito mais do que isso... 
Quando você tem só 4 dias para ler um livro de  750 páginas e escrever uma crítica com 1100  palavras, quanto tempo você tem para  realmente curtir sua leitura? Para pensar no que  leu? Jo Rowling preparou uma refeição de sete  pratos, cuidadosamente servidos de forma adorável.
As crianças e  adultos que se apaixonaram pela série (e me  incluo aí), saborearam cada garfada, desde a  entrada (Pedra Filosofal) até a sobremesa (o lindo epílogo de "Deathly Hallows").
Muitos críticos,  por outro lado, engoliram tudo de uma só vez e  devolveram em seus jornais páginas digeridas pela metade. 
E por isso, poucos destes críticos, desde Salon até o New York Times, realmente pararam para  considerar o que a senhora Rowling havia criado, de onde veio e o significado que terá no futuro.  E os blogs não foram muito melhores.  Eles só pareciam interessados em saber quem  sobreviveria, quem morreria e quem estava  revelando os segredos. Enfim, tudo muito bobo. 
Então, o que aconteceu? De onde veio o "Ministério da Magia"? Bem, existem algumas pistas sobre  isso.
Enquanto os acadêmicos e críticos do  sistema educacional se queixavam de que  ninguém mais lia e que tudo em que as crianças  pensavam eram seus Xboxes, iPods, Avril Lavigne  e High School Musical, os garotos que os  preocupavam estavam silenciosamente  adotando os livros de um tal de Robert Lawrence  Stine. 
Conhecido nos meios literários como "Bob Jovial" Stine, este cara ganhou mais tarde um  outro apelido, o de "Stephen King da literatura  infantil". Ele escreveu seu primeiro livro de terror  adolescente (Blind Date) em 1986, anos antes da  chegada da Pottermania... mas logo, você não  conseguia olhar a lista de best-sellers do USA  Today, sem ver 3 ou 4 de seus livros. 
Estas obras quase não chamaram a atenção dos  críticos - que eu saiba, Michiko Katukani nunca  escreveu sobre "Who Killed the Homecoming Queen?" - mas os garotos deram bastante  atenção e RL Stine experimentou uma onda de  popularidade com eles, em parte movida pela internet ainda iniciante, para transformar-se no autor infantil de maior vendagem do século  20.
Como a Rowling, ele era da Scholastic, e eu  não tenho dúvida que o sucesso do Stine foi uma  das razões para a Scholastic arriscar-se na  contratação de uma jovem e desconhecida escritora britânica,  para começar. Ele é desconhecido da maioria...  mas, é claro, João Batista também nunca  conseguiu a mesma atenção que teve Jesus. 
Rowling fez bem mais sucesso, de crítica e  financeiro, porque os livros do Potter foram  crescendo com o passar do tempo. Esse, eu acho,  é o maior segredo (nem tão secreto assim; para  entender visualmente o que digo, comprem um  ingresso para a "Ordem da Fênix" e veja como o  antes "fofinho" Ron Weasley está bem maior do que Harry e Hermione). 
Os garotos do RL Stine são garotos para sempre, enquanto aqueles que curtem suas aventuras continuam crescendo  e inevitavelmente esquecem os velhos "Nikes" da infância. 
Os garotos da Jo Rowling  cresceram... e seu público cresceu junto. 
Isso não teria tanta importância se ela fosse uma  escritora ruim, mas ela não era. 
Enquanto alguns blogs e a mídia tradicional se  preocupavam em dizer que a ambição de Rowling  era quem ditava  o ritmo para o crescimento da popularidade de seus livros, eles não perceberam que o talento também crescia. 
Talento não é algo estático, está sempre crescendo ou  morrendo, e para resumir o que penso sobre  Rowling é que quando começou, ela já era muito melhor do que RL Stine (um escritor adequado, mas insípido), mas quando escreveu a última frase de "Deathly Hallows" ("Tudo está  bem"), ela se tornou uma das melhores  escritoras de seu país - não tão boa quanto Ian  McEwan ou Ruth Rendell (ainda não), mas  facilmente no mesmo nível que  Beryl Bainbridge  ou  Martin Amis. 
E, é claro, tinha a magia. É o que os garotos almejam, acima de tudo. E isso nos  leva de volta aos irmãos Grimm, Hans Christian  Andersen e a boa e velha Alice, correndo atrás do  coelhinho. Os garotos estão sempre procurando  pelo "Ministério da Magia" e geralmente o  encontram. 
Um dia, em Bangor, minha cidade, eu estava  andando pela rua quando vi um garotinho de uns  3 anos com o rosto sujo, os joelhos cheios de cicatrizes e um ar muito compenetrado. Estava sentado entre a calçada e o asfalto, tinha um galho em sua mão com o qual golpeava  a terra. "Fique aí!" ele gritava. "Fique aí, droga!  Você não pode sair enquanto eu não disser a  Palavra Mágica! Você não pode sair enquanto eu  não mandar!" 
Muitas pessoas passavam sem prestar muita  atenção. Eu diminui meu passo, e fiquei  observando enquanto pude porque também converso com as coisas que habitam a  minha imaginação e peço a elas  o mesmo, para que  fiquem por lá e não saiam enquanto eu não der  permissão.  
Fiquei encantado com o "faz-de-conta" do garoto (sempre presumindo que  era um faz-de-conta hehehehe).
E algumas coisas me ocorreram. Uma, fosse ele um adulto, a polícia já o teria levado para  um exame psiquiátrico.  Outra, que crianças exibindo tendências  paranoico-esquizofrenicas são simplesmente  aceitas pela sociedade. Todos entendemos que  crianças são meio malucas até mais ou menos  seus 8 anos de idade, quando cortamos o seu "barato", vale tudo! 
Isso aconteceu em 1982, enquanto eu me  preparava para escrever uma história sobre  crianças e monstros (A Coisa), e essa cena  influenciou bastante aquele livro. Mesmo agora,  anos depois, eu penso naquele garoto - um  pequeno "Ministro da Magia" usando um galho  seco como varinha - e espero que  ele não tenha se considerado velho demais para os livros de Harry Potter. Talvez  tenha, é triste pensar  assim, mas tem uma coisa que JRR Tolkien  admite e que Rowling ainda não - é que às vezes - frequentemente, na verdade - a mágica termina. 
Foram as crianças no caso da Jo Rowling  que  foram cativadas primeiro, demonstrando com a  lógica irrefutável dos 10 bazilhões de livros  vendidos que os garotos ainda colocam seus  iPods e Game Boys de lado para pegar um livro... se a mágica estiver nele. E que ler é mesmo algo  mágico, disto eu nunca duvidei. 
Gostaria muito de saber quantos adolescentes e  pré-adolescentes deixaram a mesma mensagem  em seus telefones nos dias após o lançamento:  Não liguem hoje, estou lendo! 
A mesma coisa deve ter acontecido com a série "Goosebumps" de RL Stine, mas, diferente dele, a  Rowling trouxe os adultos para o seu círculo de  leitores, deixando-o bem maior. 
Este não é um  fenômeno único, embora pareça mais associado  aos escritores britânicos: Alice no País das Maravilhas começou como uma história contada para uma garotinha de 10 anos, chamada  Alice  Liddell,  por Charles  Dogson (também conhecido como Lewis Carroll); e agora ele é ensinado em muitas faculdades. E "Watership Down", a versão de Richard Adams da  "Odisséia" (com coelhos no lugar de humanos), começou como uma histórinha para distrair suas  filhas pré-adolescentes, Juliet e Rosamond, em  uma longa viagem de carro. 
Como livro, porém,  foi vendido como "fantasia para adultos"  e  tornou-se um best- seller internacional. 
Talvez seja a prosa britânica. É duro resistir a  hipnose de vozes calmas e sensíveis,  especialmente quando elas estão "fazendo-de-conta". Rowling sempre fez parte daquela tradição  de contadores de histórias (Peter Pan,  originalmente uma peça de JM Barie, é um caso  parecido). Ela nunca perdeu de vista o seu tema  principal - o poder do amor para transformar  situações terríveis e crianças em adultos decentes e responsáveis -  mas sua escrita é fundamentalmente para contar  uma história.
Ela é mais lúcida do que brilhante,  mas tudo bem, quando ela expressa seus  sentimentos permanece como uma "amante"  destes sentimentos, sem negar sua verdade e  sua força. O melhor exemplo em "Deathly Hallows"  aparece logo no início, quando Harry se lembra de sua  infância na casa dos Dursleys. "Lembrar aqueles tempos causou nele um estranho sentimento de  vazio," Rowling escreve "Era como lembrar de um  irmão mais novo que foi perdido há muito  tempo". Honesto, nostálgico e  sem exageros. 
Um  pequeno exemplo do estilo que permitiu que Jo  Rowling quebrasse a barreira entre gerações sem nenhum esforço e sem perder aquela dignidade  alegre que é um dos maiores charmes da série. 
Os seus personagens são bem desenhados, seu  ritmo impecável, e embora existam algumas  pequenas falhas de continuidade, a história é  sólida como um todo e quase perfeita em suas mais de 4 mil páginas.
E ela domina muito bem a famosa  sagacidade britânica, quando Ron, tentando ouvir  uma transmissão ilegal em seu rádio bruxo, pega  uma música pop chamada "Um Caldeirão  Cheio  de Amor Quente e Forte". Devia ser alguma  versão bruxa da Donna Summer cantando. 
Tem  também sua resposta inteligente aos tablóides  britânicos - um assunto que tenho certeza ela  conhece muito bem - na persona de Rita Skeeter,  talvez o melhor nome de um personagem fictício,  desde os criados por Jonathan Swift. 
Quando  Elphias Doge, o perfeito cavalheiro inglês,  chama Rita de "truta metida", eu tive vontade de  me levantar e aplaudir. Toma essa! Tem muita "carne" nos "ossos" destes livros - boa  escrita, sentimentos honestos, uma doce, mas inflexível visão da natureza humana... e sua dura  realidade: "Minha filha não, sua puta!" O fato de  Harry atrair adultos além das crianças nunca me  surpreendeu. 
Os livros são perfeitos? Não, de fato, alguns  trechos são muito longos. Em "Deatlhy Hallows",  por exemplo, tem um tanto de enrolação e  acampamento naquela tenda que chega a dar a  sensação de que Jo Rowling estava de  olho no relógio para que o livro coubesse no  tempo de um ano letivo, como os seis anteriores. 
E às vezes ela cai na "Síndrome do Robinson Crusoé". Todas as vezes que o herói náufrago  precisa de algo, ele volta ao seu navio - que  convenientemente está preso nos recifes ao  redor da ilha deserta - e pega o que precisa de  seus porões (em uma das falhas mais divertidas  da História da Literatura Inglesa, Robinson sai  para nadar nú e a seguir, enche seus bolsos). 
Desta mesma maneira, sempre que Harry e seus  amigos se metem em alguma enrascada,  produzem um novo feitiço - fogo, água para  apagar o fogo, escadas que convenientemente se  transformam em escorregadores - e eles se  livram. 
Eu aceito a maioria deles, em parte  porque ainda tem em mim um tanto de criança que ainda tende mais para o lado da alegria do que o da dúvida, mas também porque eu entendo a  mágica por ela mesma, como algo que  não tem limites.
Ainda assim, no climax da Batalha de Hogwarts,  com os gigantes atacando, as pinturas gritando e os bruxos  voando, eu estava quase desejando que alguém puxasse uma boa e velha metralhadora e  começasse a atirar como Rambo.
Se todos estes feitiços - criados pela necessidade -  como as coisas do navio do Crusoé -  eram sinais de um esgotamento criativo, são os únicos que percebi, e isso é surpreendente. Na  maior parte do tempo, a Rowling está se  divertindo e muito e quando um bom escritor se  diverte, seu público também está se divertindo. E você pode ter certeza  que terá o retorno  financeiro disso (e, bem, ela teve!)
Uma última observação: Os acadêmicos parecem  considerar que a mágica de Harry não é  suficientemente forte para transformar uma  geração de não-leitores em traças de  bibliotecas... mas não são os primeiros a  subestimar a mágica de Harry; olha só o que  aconteceu com Lord Voldemort. E, é claro, que  estes acadêmicos nunca dariam nenhum crédito  a Harry não fossem as listas de best-sellers.  Um herói literário tão famoso quanto os Beatles?  "Nunca aconteceu!" eles gritariam. "O romance  tradicional está tão morto quanto Jacob Marley!  Pergunte a qualquer um! Em outras palavras,  pergunte-nos!" 
Mas ler nunca morreu para os garotos. Au  contraire, o lado infanto-juvenil está bem mais saudável do que o adulto, que precisa enfrentar pelo  menos umas 400 novas pretensiosas e chatas "novelas  literarias" a cada ano. 
Enquanto os tais  academicos estão prevendo (e lamentando) o  surgimento da sociedade pós-literária, os garotos  estão complementando o seu Potter com  narrativas de Lemony Snicket, as aventuras do  adolescente Artemis Fowl, a trilogia de Philip  Pullman, as aventuras de Alex Rider, os mistérios  maravilhosos de  Peter Abrahams, as histórias  daquele jeans viajante. 
E claro, não podemos  esquecer o invencível (mesmo sendo meio  fedido, às vezes) Capitão Cueca.  E também, que  tal estender um pouco a velha coroa para RL  Stine, o jovial João Batista de Jo Rowling? 
Eu comecei citando Sheakespeare; vou fechar  com "The Who": Os garotos estão bem. A  permanencia neste caminho depende de  escritores como JK Rowling, que sabe muito bem  contar uma história (e isso é importante) e o faz  sem falar demais (ainda mais importante) ou  recorrer aos exageros do preciosismo (de vital  importância). Porque se ela deixar o campo para  estes "trouxas" intelectuais a novela tradicional  estará morta, eles irão matá-la. 
É bom "fazer-de-conta" que estou falando disso.  Conhecida em alguns círculos como a "Ministra da  Magia", JK Rowling nos mostrou como as coisas devem ser feitas: é um padrão bem alto, e Deus a  abençoe por tê-lo feito.